Aqui nesta terra, enquanto não tiver a situação devidamente legalizada, sou oficialmente um turista e, enquanto turista, tenho a minha presença limitada a 30 dias de permanência - de cada vez.
Em resumo, passados uns 20 e tal dias de presença, achei por bem atravessar a fronteira mais próxima para carimbar o passaporte e manter-me na legalidade. Peguei no transporte alugado que uso há cerca de uma semana (nos primeiros dias foi-me gentilmente cedido um elegante cabrio para as minhas deslocações, mas mais sobre essa viatura numa outra ocasião), e, sem mapa nem placas que me orientassem, já que os primeiros são inexactos e as segundas inexistentes, lá me fiz ao caminho, esperando que o Sol não se coibisse de me orientar, escondendo-se atrás de uma improvável nuvem.
A viagem correu sem grandes sobressaltos, duas correcções de trajectória, as cabras não se atreviam a atravessar a estrada, as vacas viam-se bem do fundo das longas rectas, o pior eram mesmo os condutores que, nas zonas mais movimentadas, só não nos ultrapassam por cima - de resto, qualquer lado vale, berma e traços contínuos são coisas que estão lá mesmo para serem pisadas e usadas. Ao fim de duas horas e uns 90 km de surpreendentemente bem conservado alcatrão, eis que Goba - Fronteira se deixa adivinhar com placas em inglês, que avisam dos perigos das curvas.
O posto fronteiriço? O pior cartão de visita não podia existir para um país que se deixa conhecer pela primeira vez a quem vem de fora: os buracos no pavimento eram suficientes para albergar o eixo dianteiro do modesto grupo B da rent-a-car e seguramente que o meu cão recusaria dormir na guarita em que os guardas se abrigavam do calor do final da tarde. Uma vez no interior do posto, comecei a preencher o impresso de saída do País, quando sou abordado pelo elemento do SEF local que enceta diálogo:
-Vais à Suazi? (e peço desculpa por não conseguir replicar aqui o sotaque).
Esperto, o gajo, pensei: nesta fronteira não devo ir a outro lugar...
-Sim, vou à Suazi, repliquei, tentando imitar o sotaque o melhor que consegui, cá o pessoal fica satisfeito por entender que falamos a mesma língua.
- Se me deres refresco deixo-te passar sem preencher papel!
- Está bem, dá cá o passaporte que eu ponho o refresco lá dentro - e lá vão 10% de um salário mensal.
Ele abre o passaporte e vê o guito.
- Não é muito... podias dar mais...
- Sim, mas podias dar mais... Mas está bem, chega. Podes passar.
E pronto, lá fomos, saímos do País, terra de ninguém, faltava entrar no Reino da Sauzilândia.
Novo posto fronteiriço, muito melhor aspecto - e pessoal muito mais evoluído, até falavam inglês e tudo.
- You're ok to go in, your friend needs a visa. You go in, drive around the immigration office, wait 10 minutes, come in for an exit stamp and you can drive back in Moza...
O idioma era outro, mas o sotaque definitivamente o mesmo. Aparentemente nem todos os cidadãos da CE têm os mesmos direitos e uns de nós precisam de visto para lá entrar.
Do outro lado... um problema: alguém que saiu de um País, nunca entrou noutro e tem que voltar para o País de onde saiu... o guarda que verifica estas coisas vai seguramente chatear.
- Where is your stamp? - Well, my friend needs a visa, so she wasn't allowed in the country...
- No way, she must have had stamped the passport, I'll have to take her in and you drive back alone.
- Sorry, you can't do that: need her to do my dishes.
O gajo sorriu e convenceu-se mesmo que me ia causar transtorno, turned a blind eye e lá fomos.
Nunca tinha estado só 10 minutos num País (demorei um pouco mais do que isso a atravessar a Bélgica...) e, mais curioso que isso, conheço agora alguém que saiu de um País, voltou a entrar sem ter ido a lado algum - segundo o passaporte, out of nowhere. Eu sabia!
O ter falhado no preenchimento de um impresso de exportação do carro (sim, o pessoal aqui complica) fez com que o meu regresso fosse ilegal: tinha agora que declarar a importação do carro, o que me valeu um (ler com sotaque) "Estás fodido pá" do novo guarda, que naturalmente se prontificou a resolver tudo a troco de refresco. Refresco pago, um "A gente vê-se no Algarve, brother" deixou-nos no caminho de regresso a casa.
Um dia normal, para um cidadão cumpridor.